A identidade do surdo sofreu muitas mudanças até que a própria sociedade o aceitasse como ser digno e capaz, portador de capacidades e competências se não iguais às nossas, certamente comparáveis a estas, prova disto é que, mesmo com a existência de um preconceito formado pela comunidade ouvinte, na sua grande maioria, de que o surdo é um ser incapaz de estudar, trabalhar e realizar ou inserir-se em atividades consideradas de uso exclusivo dos ouvintes, eles procuram cada vez mais mostrar sua cara, inserir-se no mercado de trabalho e frequentar os bancos acadêmicos e estudantis, dando forma a um futuro no qual o preconceito e a discriminação ficam cada vez mais de lado, porém com muitos outros obstáculos a serem vencidos. Visualizamos na pesquisa de campo que o surdo se insere no mercado de trabalho objetivando uma oportunidade de demonstrar capacidades que ele possui, porém que por vezes o é negado o exercício destas, uma vez que geralmente são disponibilizadas vagas de emprego nas quais o surdo exerce pouca ou quase nenhuma atividade mais complexa, sobrando a eles, excetuada qualquer discriminação funcional, empacotar produtos ou dobrar roupas em estabelecimentos comerciais.
Numa outra vertente da pesquisa de campo vislumbramos o importante papel, por vezes mal exercido, da família quanto ao estímulo e à participação da vida social, cultural, educacional e laboral do surdo. É da família que o surdo espera o maior apoio para estudar e trabalhar. A estudante do 2° ano do ensino médio no IPAESE Gláucia Aragão do Sacramento, de 24 anos, surda, ex-funcionária da C&A, revela-nos uma realidade que não é só a sua, mas de muitos outros colegas surdos, quando expõe as dificuldades de aprendizagem da Língua Portuguesa, da Matemática e da Informática, aliando a elas a disponibilidade de tempo e o domínio precário da Língua Brasileira de Sinais pelos componentes familiares. Gláucia nos esclareceu, interpretada pela sobrinha Priscilla Aragão Menezes, 20 anos, acadêmica do 6° período do Curso de Licenciatura em Física na Universidade Federal de Sergipe – UFS, que apesar de muitas dificuldades de aprendizagem ela, como surda, tem muita vontade de alcançar suas metas, exercendo a docência para aqueles que como ela sofrem com uma deficiência que restringe o mundo da educação em alguns momentos, porém que não deve ser encarada como uma barreira intransponível, o que nos leva a visualizar uma barreira que também é da família do surdo e que deve ser, portanto, transposta com a ajuda de pais, tios, sobrinhos enfim de todos aqueles que possam se engajar na ação.
A própria Priscila, que demonstra um domínio excepcional da LIBRAS, admite que ensinar ao surdo Língua Portuguesa, Informática e principalmente disciplinas da área das ciências exatas é algo muito complexo, demandando bastante paciência e dedicação por parte da família, que por sua vez necessita ausentar-se do lar por longos períodos em virtude de trabalho, estudo e outras atividades desempenhadas por cada um, deixando o surdo sem orientação da família para as atividades educacionais.
Tudo que foi exposto até agora no tocante à pesquisa de campo foi ratificado pelo surdo Joselito Santos Silva, de 26 anos, tendo estudado até o 6° ano Ensino Fundamental, na Escola 11 de agosto, desempenhando atualmente atividades trabalhistas numa empresa de produtos elétricos. Ele nos relatou sobre as condutas discriminatórias de alguns colegas da empresa que por vezes o enxergam como incapaz de aprender determinadas atividades e acabam se surpreendendo quando percebem que ele mesmo sem orientação de ninguém, apenas observando consegue adiantar-se a algum treinamento e desempenha aquela atividade que os colegas deixaram de orientá-lo.
Por fim a pesquisa de campo nos deu a visão de que, apesar das transformações quanto à identidade pós-moderna do surdo como ser humano digno e capaz, ainda há algumas arestas a serem cortadas. Assim, a conscientização de que realmente o surdo tem possibilidade de desempenhar funções laborais mais complexas; a preparação da família no tocante ao seu papel de orientadores do surdo nas atividades complementares de ensino e trabalho, inclusive com a aprendizagem de LIBRAS por parte dos familiares; políticas públicas mais eficientes, que incentivem o surdo ao trabalho e ao estudo; políticas empresarias de incentivo aos ouvintes na aprendizagem das LIBRAS; tudo deve ser repensado se queremos construir uma comunidade, seja ela surda ou ouvinte, mais igualitária e realmente democrática para todos nós que devemos e podemos nos comunicar e ajudar, mesmo diante de qualquer deficiência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário